O preconceito linguístico surge por intermédio do preconceito com a fala do outro devido aos seus regionalismos e modo de se comunicar.
O preconceito linguístico acaba se apresentando em diversos segmentos e áreas sociais. Afinal, ele está relacionado a forma como algumas variações linguísticas são vistas dentro da sociedade.
No Brasil, devido ao tamanho do país, há realmente muitas formas como o português é expressado. O mesmo ocorre, por exemplo, com o espanhol, que acaba tendo muitas diferenças de um país para o outro, mesmo sendo hispanofalantes.
De todo modo, o preconceito linguístico é um termo importante, e que deve-se abordar. Por isso, a Visão Confiável vai mostrar justamente o seu conceito, exemplos, causas e consequências nesse artigo. será observada também, a importância do filósofo e escritor brasileiro Marcos Bagno, o principal nome no estudo dessa questão no país.
Neste artigo, você vai ver sobre:
- O que é preconceito linguístico e como acontece?
- Quais são as principais causas do preconceito linguístico?
- Quem sofre preconceito linguístico?
O que é o Preconceito Linguístico?
Dentro da sociedade humana, ao longo do tempo, são diversas as formas de preconceito e discriminação que foram se instaurando. Preconceitos raciais, de gênero, de classes sociais, de religião, etc. são bons exemplos de conceitos distorcidos que são encontrados.
E o preconceito linguístico também faz parte dessa lista, sendo praticado em diversas partes do mundo, e nas mais diversas situações. Para deixar claro inicialmente, o preconceito linguístico se refere ao modo como tratam-se as formas diferentes, e tidas como fora do padrão de se utilizar a língua, de falar.
Quem impõe essa forma aceitável é a própria classe economicamente superior, e acaba rejeitando tudo o que se diferencia dessas características. O português, por exemplo, conta com diversas variações linguísticas, mas apenas a imposta pela classe favorecida é tida como certa.
Como o próprio nome deixa a entender, esse é um conceito prévio sobre algo ou alguém. Assim, através de uma simples característica, toda a ideia sobre uma pessoa já é formulada.
Nesse caso, o uso fora da norma tida como padrão da língua, pode ser essa característica, e quem se comunica fora desse padrão, acaba sendo taxado como alguém inferior, por exemplo. Vale lembrar que essa questão está presente em diversas regiões do mundo, não sendo algo exclusivo do Brasil.
Além do mais, é algo que se alastra através de várias gerações, onde a forma como a pessoa se comunica acaba sendo um ponto para essa discriminação. Outro ponto importante, e que também entra nesse quesito, é em relação às ligações que o preconceito linguístico possui com outras áreas.
Isso porque, é comum que ele esteja associado também a outros tipos discriminatórios, como a regional ou de classe social. Por isso entra também nesse ponto, a importância do seu combate, evitando que pratiquem-se outras discriminações, ainda mais danosas.
A Comunicação como principal função da língua
Um ponto importante, e que deve-se levar em consideração quando se reflete sobre o preconceito linguístico, é a chamada comunicação. Ao se procurar o objetivo primordial de uma língua, e para que realmente ela foi criada, é indiscutível que sua principal função é a de comunicar.
Assim, quando organizaram-se devidamente os sons produzidos pelos seres humanos ao longo da história, foi para que fosse possível transmitir uma mensagem.
A comunicação, que é a emissão e a interpretação de uma mensagem, é o que efetivamente funcionaliza uma língua. Ao se observar a pergunta “quando nós vai?”, por exemplo, é preciso levar em consideração não apenas o modo como ela é falada.
Observando pelo lado da norma que surge como padrão da língua portuguesa, o correto seria “quando nós vamos?”. Mas, e quanto a mensagem? Há alguma diferença na compreensão, ou seja, na interpretação dessa pergunta? A resposta simples e direta é Não.
A comunicação, desde que a pergunta tenha sido feita para alguém que também fale a língua portuguesa, é claro, é muito bem concluída. Assim, atingiu-se o objetivo primordial da língua, que é o de comunicar. A grande diferença, é que a primeira forma não segue a forma tida como padrão do português.
O preconceito linguístico ocorre, portanto, ao discriminar, ridicularizar, julgar como inferior, uma pessoa que se comunica fora do padrão estipulado. Nesse caso, entra não apenas a conjugação incorreta dos verbos, como descrito. Mas, há também questões sonoras, como o próprio sotaque utilizado.
Assim, o preconceito linguístico não trata-se apenas de ir discriminar a utilização “errada” de uma palavra, mas também do modo como ela é reproduzida. A região Nordeste, Norte, e até mesmo a Centro-Oeste do Brasil, por exemplo, sofrem bastante com essa questão.
A compreensão de uma língua viva
Outro ponto de extrema importância, e que também deve-se discutir dentro do preconceito linguístico, é em relação às mudanças que uma língua acaba sofrendo pela ação do tempo.
A língua portuguesa falada aqui no Brasil, por exemplo, já conta com muitas diferenças da própria língua portuguesa de Portugal. O mesmo ocorre em relação a outras variações que existem ao redor do mundo, de outras colônias portuguesas do passado. Isso, por si só, já é uma amostra bastante notável de como a construção de uma língua ocorre.
Outro exemplo ainda mais interessante é em relação à língua portuguesa e a língua espanhola, uma vez que ambas descendem do latim. Embora sejam irmãs, e significativamente muito mais similares do que o português e o inglês, por exemplo, espanhol é outro idioma.
Todo esse enredo está sendo utilizado para embasar o fato de que o português é uma língua viva, e que foi se transformando com o passar dos anos. Essa é uma questão inegável, e que pode-se sentir tanto ao observar o passado distante, quanto o recente.
Sendo viva, e sempre passando por transformações, como as recentes alterações no acordo ortográfico que implantaram-se, o português, muito provavelmente, continuará sua evolução.
Desse modo, assim como muitos termos que utilizam-se nos dias atuais não existiam há décadas atrás, novos termos poderão introduzirem-se no futuro. Por isso, o preconceito linguístico acaba indo também contra esse entendimento. Afinal, o que não é forma padrão hoje, amanhã poderá ser oficializado.
Um bom exemplo disso é em relação a formação do pronome de tratamento “você”, que foi se alterando com o passar do tempo.
Compreendendo a evolução da língua na prática
Uma forma muito interessante de acompanhar a evolução da língua, nesse caso o português, é através do pronome de tratamento “você”. Esse é um ponto primordial que deve-se entender, e ajuda a compreender melhor a necessidade de combater o preconceito linguístico.
Atualmente, quando se fala em norma culta ou forma padrão de falar o português, há, entre outros pontos, os chamados pronomes, como os de tratamento. Basicamente, o mais utilizado na maioria das regiões do Brasil é “você”, que é um modo formal de se tratar outra pessoa, quando se fala com ela diretamente. Um exemplo dessa aplicação é “o que você vai fazer hoje?”.
No entanto, o que hoje é uma norma padrão da escrita, presente dentro das regras gerais do português, já foi algo totalmente fora do comum antigamente.
Isso porque, o pronome “você” nada mais é do que uma abreviação de “vossa mercê”. Nesse ponto, é preciso observar o tamanho dessa evolução, da redução desse termo. No meio desse período, há ainda a utilização de vosmecê, que também já utilizou-se bastante. Assim, o preconceito linguístico acaba sendo fortemente questionado nesse aspecto.
Afinal, a língua portuguesa é viva, e estará em movimento enquanto houver pessoas que a utilizam ativamente. De uma forma geral, apenas “línguas mortas”, como é o caso do latim, que não contam com uma utilização cotidiana, é que permanecem mais rígidas.
Como mencionado, entender essa questão é também uma forma de combater o próprio preconceito linguístico. Isso porque a norma formal de comunicação não se aplica a eternidade, não cabendo aí a discriminação ou ridicularização de alguma forma utilizada.
O que diz Marcos Bagno sobre preconceito linguístico?
Toda a temática tratada sobre o preconceito linguístico no Brasil, conta com a atuação e combate do filósofo, escritor e professor brasileiro Marcos Bagno. É realmente impossível tratar sobre esse tema, e não se referir a Bagno, que tem uma atuação bastante expressiva nesse aspecto.
Afinal, foi a partir de sua publicação de seu livro “Preconceito Linguístico”, lançado em 1999, que esse debate realmente começou a ser feito. Para ele, o preconceito linguístico não se restringe apenas à comunicação em si, pois está totalmente conectado com as outras áreas.
Atualmente ele trabalha na Universidade de Brasília, no departamento de tradução. Mas também é um escritor de mão cheia, sendo condecorado, inclusive com o Prêmio Jabuti, por uma de suas obras. Ele conta com muitos trabalhos publicados, não apenas sobre a linguística, mas também sobre o português em si, e também obras literárias.
Seu doutorado em português e filosofia, que conseguiu pela USP, permite observar melhor sua propriedade ao tratar sobre esses temas.
Quais são as causas do preconceito linguístico?
Sendo realmente muito efetivo dentro desse tema, Bagno traz uma ideia muito clara sobre o preconceito linguístico. As variações linguísticas que formam-se, dependendo de cada região, por exemplo, costumam variar bastante uma das outras.
No entanto, a classe intelectual e econômica mais favorecida é a que consegue efetivamente impor sua soberania. Assim, após imposta essa forma correta de se utilizar a língua, todas as outras variações passam a ser consideradas como erradas.
É justamente desse ponto que surge o preconceito linguístico, que vai cada vez mais se aprofundando. Afinal, como explica o filósofo formulador desse entendimento, essa discriminação não está sozinha, mas sim atrelado a outras formas. Ele surge de outros preconceitos, e consegue estar presente e fundido a eles, tais como nas discriminações de:
Classes sociais
Sem dúvidas, um dos preconceitos que mais se atrela ao linguístico, sendo uma das causas mais perceptíveis, é em relação ao poder socioeconômico.
As classes mais favorecidas são as que conseguem impor a sua forma de utilizar a língua. Assim, sua variante linguística acaba sendo a mais aceita, e padrão, por assim dizer. Por isso, quem tem um poder aquisitivo mais baixo, que são as classes mais pobres, acabam sofrendo esse preconceito linguístico.
Afinal, sua forma de se comunicar, que normalmente é bastante diferente, uma vez que eles não conseguiram ter acesso a uma educação adequada, acaba variando bastante. Isso acaba interferindo diretamente no próprio crescimento desse cidadão, que fica refém dessa imposição.
Regionalismo
De um modo geral, entra, nesse quesito, os sotaques que apresentam-se dentro do território brasileiro. A forma como o português é pronunciado no sertão nordestino, por exemplo, é totalmente distinto da tonalidade e forma da região sul.
Assim, essas diferenças existentes acabam também sofrendo bastante preconceito linguístico. Para isso, basta apenas que uma dessas formas considere-se como a mais padrão, que no caso é justamente o modo da região sul e sudeste.
Dessa forma, os sotaques e regionalizações do nordeste, norte e também do centro-oeste do país são bastante discriminados.
Música
Outra causa que está atrelada ao preconceito linguístico, é em relação a própria música ou cultura, por assim dizer. Nesse quesito, entram aqui gêneros musicais como o rap, o funk e o sertanejo raiz, que durante muito tempo sofreram, e ainda sofrem, muito devido a variação linguística presente.
Claro que atualmente o sertanejo universitário já conseguiu superar essa aversão, mas muito devido a sua própria adequação. No entanto, o funk e o rap ainda contam com bastante desse preconceito.
Ao observar melhor esses gêneros, é possível perceber em comum a utilização de uma variação totalmente distinta da utilizada pela classe mais favorecida. O linguajar caipira, ou modo repleto de gírias do rap, são bons exemplos dessa questão.
Consequências do Preconceito Linguístico
Ao se observar mais profundamente algumas das principais causas do preconceito linguístico, fica mais evidente quais são suas consequências. Afinal, tudo ocorre como um tipo de ciclo vicioso, onde um tipo de preconceito causa o preconceito linguístico e vice versa.
Assim, sua consequência mais imediata e profunda é, sem dúvidas, a ampliação das outras formas de preconceito. Isso porque a vítima fica presa a esse ciclo, a esse sistema, que é muito melhor percebido dentro da esfera das classes sociais.
Se uma pessoa pobre não tem acesso a uma educação adequada, como consequência ela não desenvolve totalmente o conhecimento sobre a língua. Utilizando essa variação, fora do padrão linguístico tido como o correto, somado a sua baixa escolaridade, ela não consegue alcançar empregos que remuneram tão bem, ao menos em via de regra.
E é justamente esse fator que a faz ficar presa dentro desse sistema, uma vez que suas condições econômicas também se mantêm dentro desse padrão mais baixo. A estreita relação entre causa e efeito do preconceito linguístico, e a manutenção desse sistema são consequências cruéis dele próprio.
Quais os principais exemplos de preconceito linguístico?
Para que seja possível se aprofundar ainda mais no tema, é importante observar aplicações mais práticas que dão-se a essa questão. No Brasil, infelizmente, o preconceito linguístico consegue estar presente dentro de diversas esferas. Por isso, não é difícil encontrar uma forma de se referir ao assunto, uma vez que é realmente a base para outras áreas.
Sotaques: preconceito regional
Uma forma de preconceito linguístico realmente muito comum é em relação às variações regionais da fala. Basicamente, cada região do Brasil tem suas formas mais específicas de dialogar, de reproduzir a língua portuguesa.
Isso se deve, justamente, à gigantesca extensão territorial do país, que abriga cinco regiões, tendo 26 estados e um distrito federal. O Brasil é o quinto maior país do mundo, tendo proporções, realmente, continentais.
Além do mais, durante o período colonial e imperial, passou por diversas influências além da de Portugal em si. Alguns exemplos são a Espanha e a França, por exemplo. Fora os povos que migraram para nosso território, como europeus e orientais.
Isso tudo sem mencionar todos os escravos africanos, que são parte importante da formação cultural de nosso país. Dessa forma, dentro do território, o que não falta são variações linguísticas, como as relacionadas ao sotaque.
Um exemplo de preconceito linguístico, porém, ocorre justamente na forma como observam-se as variações nortista, nordestina, e central. A diferença, nesse ponto, em relação às variações do sudeste e do sul acabam estereotipando-as como inferiores.
Socioeconômico: classes sociais
Como já mencionado, um exemplo claro do preconceito linguístico, é a sua estreita ligação com as próprias classes sociais. É como se fosse algo efetivamente indissociável, com uma ligação tão estreita que uma acaba levando a outra.
Seguindo esse preceito, o modo como a pessoa se comunica acaba mostrando bastante sobre essa questão. Quem não é favorecido, e não consegue se inteirar da forma convencionalmente padrão de se comunicar, acaba sofrendo esse preconceito.
Nesse caso, é algo com um movimento vertical, que vem de cima (elite econômica) para baixo (classe mais baixa). Esse é um dos exemplos mais nítidos do preconceito linguístico, e acaba estando diretamente ligado a ele.
Ele é ao mesmo tempo uma causa e efeito dessa questão, por isso é tão indissociável. Na verdade, até mesmo dentro da questão regional, é impossível não notar seus resquícios. Uma vez que a questão econômica também se acrescenta sobre o preconceito regional, principalmente em relação ao norte e nordeste do país.
Como solucionar o problema do preconceito linguístico?
A questão relacionada ao preconceito linguístico parte do modo certo ou errado de se falar. Assim, para solucionar esse problema e retirar o estereótipo de que uma variação é errada ou inferior, é preciso realmente que se compreenda essa questão.
Felizmente, já apresentou-se uma solução, e basta apenas colocá-la em prática. Para isso, é necessário uma conscientização geral da sociedade. Como sempre, a educação carrega um papel fundamental nessa solução, sendo a base para que se possa superar essa barreira do preconceito linguístico.
Nesse ponto entram a escola (Estado) e a família, que carregam juntas o dever de educar.
Para se chegar às grandes massas, também é necessário a contribuição da mídia especializada, através da internet, da TV, do rádio, etc. A conscientização acaba sendo um papel de todos. Mas, qual é essa solução afinal?
Bem, para que o preconceito linguístico seja superado, o melhor caminho apresentado, é a chamada adequação linguística.
O que é a adequação linguística?
Esse é um princípio efetivamente bastante simples, e traz a ideia de que não há uma forma melhor, mas sim mais apropriada. Essa adequação é referente ao lugar onde a variação deve ser utilizada, sendo essa a sua verdadeira importância.
Exemplificando essa questão, é possível imaginar um grupo de amigos jogando futebol. Nesse ambiente, que é totalmente informal, o princípio da adequação exige também uma variação informal da língua. Afinal, é o próprio ambiente, a situação, quem vai definir essa importância.
Utilizar uma linguagem totalmente culta, formal, ou científica nesse ambiente, por exemplo, estaria fora dessa adequação. A própria dinâmica e velocidade, também interferem nessa aplicação. Assim, um “bora jogar bola?” já acaba sendo a forma adequada para convidar alguém para praticar esse esporte.
Por outro lado, um ambiente tido como mais formal, por adequação, exige uma variação também mais formal. Novamente em termos práticos, quando um profissional de administração de empresas vai fazer uma entrevista de emprego para atuar nessa área, esse diálogo deve ser adequado.
Assim, ele não deve se referir informalmente ao seu entrevistador, mas sim seguindo uma variação padrão, formal. Ao invés de se referir ao entrevistador com “brother, eu já trampo faz muito tempo”, o correto seria “eu já atuo nesse segmento há muitos anos, senhor”.
Como é possível observar, esse princípio da adequação consegue extinguir os fatores do preconceito linguístico. Isso porque, através de sua utilização, é o ambiente quem vai dizer qual variação é a adequada.
O papel da língua escrita
Um ponto também importante, e que deve-se levar em consideração, fora todo todo o contexto da linguística, é em relação à norma padrão da escrita. Afinal, a existência de variações linguísticas não extingue as regras da gramática em si.
No Brasil, embora a língua falada tenha suas diferenças, seja de tons, sotaques, etc, a língua escrita é apenas uma, e vale para todas as regiões. Ela é uma representação de como a língua é falada, e também vai se alterando com o tempo. Mas, de todo modo, tem suas regras gerais, que deve-se aprender e para colocá-las em prática, sem a aplicação de preconceitos, é claro.
Nesse ponto, entram, por exemplo, o uso dos porquês, que possuem formas diferentes de serem escritos.
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